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Como arquitetos podem contribuir para manter a regulação cronobiológica das pessoas


O conhecimento sobre as relações entre iluminação, homem e Arquitetura pode ser sintetizado através de várias abordagens ao tema. A análise pode se estabelecer através do sistema visual, do perceptivo ou do circadiano. A influência da iluminação no chamado sistema circadiano humano (ritmos diários de 24h) tem sido o principal foco de estudo atualmente e o grande debate é como incorporar estes novos conhecimentos na prática projetual dos arquitetos.

Uma série de processos fisiológicos e comportamentais ocorre em praticamente todas as plantas e animais. No caso dos seres humanos, esses processos são sustentados pelo sistema circadiano: o “relógio biológico” que direciona nosso organismo com base em fatores como variação entre luz e escuro. Ele regula o funcionamento do organismo e é responsável pela adaptação do ser humano aos estímulos do meio em que vive. Após a descoberta da eletricidade, deixamos de planejar as rotinas de acordo com as transições do dia para a noite. A possibilidade de escolher quando o dia começa e termina fez com que a população aumentasse a fase clara expondo-se à luz artificial quando está escuro. Isso gerou espaços urbanos desconectados da sua relação com os ciclos naturais de claro e escuro: existe hoje um número considerável de profissionais que passam a maior parte do seu dia em ambientes fechados, com pouca exposição à luz solar e sem contato visual com o exterior e outra grande parte que passa a noite trabalhando em ambientes internos altamente iluminados. Atualmente se pode comprovar que o organismo de quem vive assim fica “dessincronizado” com o meio ambiente, alterando o metabolismo, o funcionamento imunológico e aumentando as chances de obesidade, depressão e transtornos (ou problemas) de sono.

É importante não confundir sol com luz. Para realizarmos processos metabólicos e produzir o hormônio cortisol, necessitamos de um mínimo de tempo diário em contato com iluminação natural mais intensa. Mas também necessitamos um período no escuro para produzir o hormônio melatonina. Quando usada durante a noite, a luz artificial confunde o organismo, que não entende que está na hora de se preparar para dormir. Os níveis de melatonina, produzidos somente no escuro, acabam diminuindo ou sendo suprimidos. Ambos são responsáveis por controlar os ritmos circadianos. Ou seja, ficar sob pouca luz durante o dia e muita à noite é prejudicial para o bem-estar e a saúde.

A Arquitetura, assim como a Medicina, é uma arte e ciência voltada para o ser humano. O papel primordial da Arquitetura é garantir abrigo e proteção para os usuários, buscando estabelecer condições de conforto ambiental tanto no meio urbano como nos espaços internos. Sendo assim, o conhecimento da fisiologia e dos processos relacionados ao funcionamento do chamado relógio biológico deve fazer parte dos critérios projetuais dos arquitetos. São estes profissionais que estabelecem as condições de iluminação, tanto natural – pela disposição e dimensionamento das janelas – quanto artificial – pela definição e especificação das propriedades das lâmpadas e luminárias. Em linhas gerais, a natureza é sempre a referência. Em uma situação ideal, deveríamos não estar mais expostos à iluminação quando o Sol se põe e voltar a despertar próximo ao horário do amanhecer. Um exemplo negativo é o de um consultório médico, onde a secretária e a sala de espera geralmente ficam sem contato com o exterior. O mesmo vale para espaços subterrâneos. Ao longo dos anos isso pode causar danos. É por isso que populações rurais ainda são potencialmente mais saudáveis que as urbanas, no que diz respeito à sua relação com a luz.

A luz, além da sua intensidade, que é denominada de iluminância, tem outras propriedades que influenciam na saúde humana. Em geral, os fatores da iluminação interna que interferem no sistema biológico são: o espectro (componente azul maior ou menor), a temperatura de cor correlata, a quantidade (Iluminância), a geometria da luz (Distribuição dirigida ou geral), a direcionalidade da luz (de cima para baixo ou de baixo para cima), duração da exposição (curta ou longa), variabilidade da luz (estática ou dinâmica). Aspectos como o contraste entre as partes mais claras e escuras do dia também parecem ter um impacto significativo na estimulação circadiana. Há evidências de que a sensibilidade à luz do sistema circadiano pode ser regulada pelas iluminâncias aos quais os indivíduos estão cronicamente expostos, a chamada história da luz pessoal. Essas questões dependem da localização geográfica do ser humano.

Um estudo recente (Harb, Hidalgo e Martau, 2014) concluído no Laboratório de Cronobiologia do HCPA estudou as consequências do trabalho em espaços com e sem janelas em um ambiente hospitalar. Os resultados apontaram que trabalhar sem janelas manteve as voluntárias sob uma quantidade de luz quase constante, sem a variação de intensidade que é o fator que faz o organismo perceber a alteração entre os momentos escuros e claros de um mesmo dia e que nos dá uma marcação temporal. Vimos que isso está associado a alterações nos níveis de secreção de cortisol e melatonina, as quais se associam a sintomas depressivos e pior qualidade de sono.

O espaço arquitetônico ideal deve ser iluminado naturalmente e com quantidade de luz suficiente para trabalhar sem ofuscamentos e com conforto visual, além de estimular o sistema circadiano. A possibilidade de contato visual com o exterior é benéfica também emocionalmente, diminuindo estresse ao principalmente se incluir elementos da natureza no campo da visão. Caso os espaços sejam dotados apenas de iluminação artificial e sem contato visual com o exterior é necessário que haja a possibilidade e o controle da variação da luz quanto a sua intensidade, espectro ou aparência de cor, por parte do usuário. Durante os turnos noturnos, para evitar a supressão de melatonina em doses exageradas é preferível utilizar lâmpadas com menor azul no seu espectro.

A área da Arquitetura especializada em iluminação ainda é pequena e tem grande potencial de expansão. Nem todos os cursos de Arquitetra possuem disciplinas que abordam este conteúdo. A compreensão da importância da exposição diurna a luz natural e a redução dos níveis de iluminação à noite precisa ser difundida. Os arquitetos de iluminação devem compreender a responsabilidade que têm em relação à saúde das pessoas que irão ocupar aquela construção. Aperfeiçoar a formação desses profissionais é fundamental para ampliar a produção de espaços que priorizem aberturas para iluminação natural, controlem a iluminação artificial e mantenham as pessoas sincronizadas biologicamente.

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