Sergio Rodrigues é esta figura iluminada de personalidade marcante, que soube transformar suas inquietações numa obra coerente e reveladora da cultura brasileira. Sergio é, sem dúvida alguma, uma das mais admiráveis expressões do design em nosso país. O traço coerente e único inscreveu seu nome na história do design do século 20, sobretudo pela criação de uma grande variedade de produtos, dos quais o mais famoso é a Poltrona Mole.
Ao lado de mestres como Joaquim Tenreiro e José Zanine Caldas, Sergio vem tornando o design brasileiro conhecido internacionalmente. Enquanto Tenreiro, com seus móveis sóbrios, foi o precursor na busca de um novo estilo, Zanine arrancou da madeira todo seu potencial expressivo e Sergio Rodrigues desenvolveu uma ampla experiência de produção, procurando pensar o Brasil pelo design. Ele transformou totalmente a linguagem do móvel, foi generoso no traço e no emprego das madeiras nativas e, como bem afirmou Lucio Costa, “com a criação da Oca integrou a ambientação de interior no movimento de renovação de nossa arquitetura.”
A produção brasileira nesse setor (mobiliário), em meados dos anos 50, ainda estava muito presa aos estilos, e a sua renovação exigiria duas batalhas. Sergio sabia que a única arma de que dispunha era o desenho e foi aí que enveredou.
Inicialmente, como arquiteto, trabalhou ao lado de David Azambuja, Flávio Regis do Nascimento e Olavo Redig de Campos no projeto do Centro Cívico de Curitiba, obra importante no quadro da arquitetura moderna brasileira. Mas, conhecendo com firmeza seus interesses e trilhando por um caminho percorrido por outros grandes arquitetos como João Batista Vilanova Artigas, Oscar Niemeyer, Oswaldo Bratke e Paulo Mendes da Rocha, Sergio saltou da arquitetura para o design do móvel.
Além disso, ele estava absolutamente convicto de que “a arquitetura em que o planejamento do espaço interno não fosse estudado adequadamente não era arquitetura, era escultura”.
Para Lucio Costa, em algumas peças Sergio Rodrigues conseguiu resgatar o espírito da mobília tradicional e aspectos do Brasil indígena. “De fato, nesse momento ele fez coexistir o Brasil-brasileiro com o Brasil-de-Ipanema, cantada mais tarde (1962) por Tom Jobim e Vinicius de Morais na célebre ‘Garota de Ipanema’, e com o Brasil da industrialização paulista, afinal a Oca era representante de modelos selecionados das principais fábricas de São Paulo.” Daí porque o nome Oca: um retorno as fontes indígenas, o gosto pelos materiais tradicionais. Sergio lançou-se numa busca permanente de projetos, métodos e materiais para atender adequadamente as necessidades do usuário, alheio a modismos e estilos. Segundo Oscar Niemeyer: “Naquela época (início de Brasília) não se tinha tempo de pensar em desenhar móvel nenhum. Nós usamos móveis correntes no mercado, selecionando como o Palácio exigia.
O principal designer a quem solicitei móveis foi Sergio Rodrigues.” Concomitantemente às atividades no setor de mobiliário é fundamental destacar a atuação de Sergio no planejamento de interiores, na ambientação, na cenografia e na decoração. No âmbito dos interiores, colaborou com os mais importantes arquitetos brasileiros e, em sua própria loja – A Oca – prestou várias consultorias no país e no exterior legitimando o “interior design” no Brasil.
“A aproximação de desenho do móvel moderno com certos objetos da cultura brasileira, e a não preocupação com modismos, acentuam o espírito de brasilidade que tanto busca Sergio Rodrigues. Esses dois fatos foram preponderantes da decisão do júri da IV Bienal do Móvel, Cantu, Itália 1961, premiado com a Poltrona Sheriff entre 400 candidatos de 35 países.”
Textos extraídos do livro Sergio Rodrigues da Maria Cecília Loschiavo
Filósofa, pesquisadora de mobiliário brasileiro e docente na FAUSP
Não vamos atribuir tudo a genética, afinal cada um tem seu gênio. Mas que o talento de Sergio Rodrigues tem ascendência, tem. A mais notória delas é a do tio jornalista e dramaturgo Nelson Rodrigues. Outras são a do pai o pintor e ilustrador Roberto Rodrigues que mesmo tendo morrido prematuramente aos 23 anos deixou como legado obra posicionada criticamente em relação aos julgamentos por parte da crítica instituída. E segundo Portinarti, seu colega, “teria sido um dos maiores artistas plásticos do Brasil”. Dentro de uma família intelectualizada por parte do pai, os Rodrigues, pelo lado da mãe, os Mendes de Almeida, (Fernando e Cândido), juristas, jornalistas, foi gerada a personalidade do arquiteto e designer Sergio Rodrigues que recebeu como legado o senso crítico, a exuberância e o humor familiares. Uma das manifestações dessa herança foi a defesa da criação de formas a partir de referências brasileiras, um olhar atento ao que era criado pelo mundo e contrário ao macaquear de referências. Essa postura tão simples quanto clara, deu a ele a possibilidade de ser o pai das mais celebres criações do design brasileiro.
Adriana Doria Mattos (Jornalista)
BANCO MOCHO - 1954
O banco Mocho foi a primeira peça importante desenhada por Sergio. Singelo, simples, com assento redondo, com uma travessa embaixo ligando os três pés, o Mocho foi o prenúncio de uma carreira brilhante. Sergio, que sempre se alimentou da cultura popular brasileira, se inspirou em uma mulher do interior tirando leite da vaca naqueles banquinhos típicos de fazendas, muitos deles com um só pé. Uma peça esculpida em madeira maciça, o Mocho é um banco divertido e ao mesmo tempo admiravelmente elegante.
A primeira versão do Mocho, que tinha o assento mais cavado e recebia uma almofadinha bem encaixada, apareceu em 1954. Com a mudança do mercado e as bitolas mudadas, a profundidade do assento diminuiu e Sergio tirou a almofada, provavelmente para deixar o banco mais puro, uma vez que já tinha o conforto da curva. Ele mudou ligeiramente o feitio dos pés, elevou as travessinhas e o assento ficou mais leve, menos profundo. O desenho da alça também foi mudado.
CADEIRA LEVE OSCAR - 1956
Um clássico do móvel moderno brasileiro, a Poltrona Leve Oscar Niemeyer foi criada por Sergio Rodrigues em 1956, originalmente para o Jockey Clube do Rio de Janeiro. Homenagem ao mais conhecido arquiteto brasileiro, a peça tem estrutura em madeira maciça torneada e assento e encosto em palha natural. Está disponível também com assento e encosto estofados.
POLTRONA MOLE - 1957
Estrutura em madeira de lei maciça torneada, com travessas que permitem a passagem de percintas em couro sola que, após ajuste com botões torneados, formam um apoio que suporta os almofadões do assento, do encosto e dos braços, unidos numa só peça.
CADEIRA CANTÚ – 1958
Estrutura em madeira de lei maciça torneada, com assento e encosto em couro natural. Classificada em terceiro lugar no IV Concurso Internazionale del Mobile, Cantu, Itália, 1961.
MESA ARIMELO - 1958
Estrutura em madeira de lei maciça torneada, com bandeja independente encabeçada e com acabamento em folheado ou melanina.
POLTRONA ASPAS “CHIFRUDA” – 1962
Estrutura em jacarandá maciço, com encosto em compensado curvado, braços móveis e base do centro estofados em espuma de poliuretano e revestidos em couro. Apresentada na segunda exposição “Móveis como Objetos de Arte” (1962), quando foram executadas duas peças.
POLTRONA LIA – 1962
Estrutura em madeira, com assento e encosto estofados em espuma de poliuretano e revestidos em couro natural ou tecido.
POLTRONA CARMEL – 1966
Estrutura em madeira de lei maciça, com estofamento em espuma de poliuretano revestido e tecido sustentado por percintas em couro sola e apoio de cabeça e braços em couro natural. Criada para a loja Brazilian Interiors em Carmel, Estados Unidos.
POLTRONA KILIN – 1973
Estrutura em madeira de lei maciça, com duas laterais e duas travessas fixas com cunhas, encosto em peça única em couro, lona preta ou atanado.
BANCO SONIA – 1997
Estrutura em madeira de lei maciça, com pés torneados e vão circular do assento.
CADEIRA KATITA – 1997
Estrutura em madeira de lei maciça, com braços em forma de aspas, assento em compensado moldado a frio, estofado em espuma de poliuretano e revestido em couro ou tecido. Encosto composto de duas peças com vãos circulares. Baseada na cadeira DAAV, com estrutura maciça e seção ovalada.
POLTRONA DIZ – 2001
Estrutura em madeira maciça, assento e encosto em compensado moldado em dupla curvatura folheado em madeira de lei.
POLTRONA XIBÔ – 2013
A Poltrona Xibô (apelido que Sergio Rodrigues recebeu de sua esposa, Vera Beatriz) é a versão masculina da conhecida Kilin, peça que a homenageia. Kilin e Xibô, que estão entre as mais belas criações do mestre, traduzem seu humor e seu pensamento. Embora traga como data de criação o ano de 2013, os desenhos originais da Xibô são dos anos 1990. Garimpando os arquivos de Sergio, o designer e parceiro de trabalho Fernando Mendes decidiu encarar o desafio de estimulá-lo a finalizar a peça. A ideia de usar couro para o assento e para o encosto já estava decidida no projeto, restava apenas definir a parte superior da poltrona. Sergio não só determinou o formato como deu à peça uma pitada de irreverência ao escolher o revestimento na cor amarela. Nascia assim mais um clássico do mestre Sergio Rodrigues.
POLTRONA BENJAMIN - 2014
Uma peça que sintetiza 60 anos de design. Na visão do próprio Sergio Rodrigues, a poltrona Benjamin é um resumo de sua obra, por reunir características dos móveis que produziu ao longo da carreira. "Quando ele viu o protótipo pronto, disse que era uma síntese de tudo o que fez em poltrona e cadeira, porque tinha vários detalhes e elementos utilizados nas peças que criou", conta o designer Fernando Mendes, que junto com Sergio tirou o projeto inédito da gaveta para lançá-lo em 2014.
O desenho da Benjamin, feito à mão e que traz as vistas lateral, de cima, de frente e fundos da peça, foi encontrado durante a organização do acervo de Sergio, iniciada pelo Instituto Sergio Rodrigues há cerca de um ano. Fernando, que trabalhou no escritório de Sergio e reeditou alguns de seus móveis ao lado dele, foi o designer responsável pela execução da Benjamin e completou o estudo da poltrona.
Pelas soluções, Fernando acredita que o projeto tenha sido feito entre 1995 e 2000. "Essa poltrona, na verdade, é uma certa evolução da Xibô (1990), com um desenho um pouco mais complexo", diz.
Sergio acompanhou o processo de desenvolvimento da poltrona Benjamin, fazendo ajustes e correções. Na fase de complementação do projeto, quando Fernando apresentou o desenho a ele, modificou uma curvatura de travessa. Na etapa do protótipo, Fernando conta que a poltrona ficou muito volumosa. Foi feita uma ligeira correção na inclinação do encosto e Sergio pediu para, além de diminuir a altura, retirar 5 cm de largura.
Apesar de, segundo Fernando, o desenho dar a impressão de ser um revestimento estofado de couro, solução semelhante à usada nas poltronas Kilin e Xibô, os designers escolheram outros materiais: uma concha rígida revestida de couro, por causa do tamanho da poltrona e sua construção. Em razão da estrutura de compensado moldado receber o couro, que vai por baixo da almofada solta, adotou-se um sistema já utilizado em uma outra poltrona de 1996, a Tete. Assim, a concha rígida é revestida de espuma e recebe o couro por cima.
O encaixe principal da poltrona também foi utilizado por Sergio em outras peças: uma espiga que atravessa uma perfuração no pé da cadeira e, do outro lado, recebe uma cunha de madeira que amarra a estrutura.
A peça, que leva o nome do neto mais novo de Sergio, de seis anos, seria apresentada no dia 22 de setembro durante a mostra na Dpot. Com o falecimento do designer, no dia 1º do mesmo mês, o evento e a exibição da poltrona foram adiados para o dia 30. A mostra foi mantida como havia sido concebida, e apresentou momentos da vida e da carreira do designer, além de aspectos menos conhecidos de seu trabalho, como as peças desmontadas e os gabaritos de alguns móveis com anotações da indústria.
"Contar a história do Sergio é contar a história de um personagem muito importante no design brasileiro", afirma a curadora. "Encontrei com alguém que me disse 'Nossa, a gente pensa no Sergio e parece que ele foi tomar um café'. A presença dele é tão forte que é como se ainda estivesse aqui", conta Baba. "É muito triste saber que a gente não vai mais poder contar com aquele sorriso, aquele alto astral, aquele bom humor dele", lamenta. A cadeira Benjamin encerra o ciclo de trabalho de Sergio Rodrigues, mas se une ao restante de sua obra como inspiração para as próximas gerações.